quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Dramaturgia



Tínhamos como suporte dramatúrgico sua biografia e as cartas do asilo que ela enviava a parentes. Mas nos deparávamos com um conflito: como contar sua história? Um texto costuma ser a causa de uma obra teatral, mas neste caso seria conseqüência da experiência vivida por todos.
Decidimos não seguir uma linha lógica de início, estudávamos partes de sua vida e realizávamos improvisações. Logo de início percebi que sua estada no asilo de loucos era um ponto forte para todos, causava estranhamento, dificuldade e também indignação. Sua vida antes do asilo era contada pelo biógrafo, mas após internato no asilo era contada por ela mesma através de suas cartas.Esses relatos foram tão fortes e impactantes no grupo que resolvi que o espetáculo começaria aí, a partir de sua morte.
Tínhamos então um início, e esse início dava-se com a sua morte. Então quem seriam os personagens?
Partimos então para o segundo processo que foi levado em paralelo à pesquisa da sua vida. Quem contaria a sua história? Quem contaria a história de Camille Claudel?
Decidimos criar personagens que viveram no mesmo asilo que ela viveu seus últimos trinta anos, esses personagens contariam a sua história. Definimos que algumas personagens haviam conhecido Camille, outros acharam suas escritas pelo asilo, outros apenas ouviram falar dela, mas todos em determinado momento assumiriam a sua personalidade. Tanto a de Camille quanto a de sua Mãe Lourdes, como a de Rodin e a de sua namorada Rose.
Determinado isso cada ator criaria a história de seu personagem e apresentaria ao grupo. Neste estudo para criação do personagem de cada ator estudamos quem seriam os internos daquela época, início do século XX até sua metade, vide a data de falecimento de Camille Claudel ser 1943.
Chegamos então à histeria. A histeria é causada pela recusa do desejo sexual que é tipicamente reprimido e se manifesta em forma de ansiedades e traumas. Há psicanalistas que acrescentam que a histeria não se refere apenas aos desejos sexuais, mas a outros tipos de desejo ou situações traumáticas. A histeria é uma classe de neurose que apresenta quadros clínicos muito variados. Freud considerou a histeria como uma doença psíquica bem definida e que, portanto, exige uma etiologia específica. Freud nominou diferentes tipos de histeria. A histeria de angústia apresenta sintomas fóbicos que podem ser observados na neurose obsessiva e na esquizofrenia.
Partindo deste estudo e de idéias que surgiam através de pesquisas de internos cada ator desenvolveu seu personagem, cada ator estudaria a época, comportamento e história do personagem que ele próprio criaria.
Para os atores não ficarem isolados em suas histórias e interagirem entre si, a direção opta por entrar ativamente nesse “laboratório”. Cria também um personagem, um enfermeiro deste hospício, que comanda essa trupe de loucos, orientando, muitas vezes cruelmente os passos de cada um. Fazendo-os visualizar um mesmo espaço, costurando algumas histórias, e interagindo entre eles. A seguir o depoimento da atriz Vanúzia Moreira referindo-se a esse processo:

Quando construí a personagem, não a imaginei matando o seu filho, mesmo que por um descontrole extremo. No começo a imaginei uma mãe amorosa, uma escritora famosa, uma mulher apaixonada pelo marido e uma filha com uma relação maravilhosa com a mãe. De repente durante os laboratórios fui conduzida pelo “enfermeiro” a acreditar na autoria do crime do qual a personagem era acusada. Como minha personagem era uma escritora por diversas vezes ela assumiu a personalidade de outros internos, assim como assumiu em alguns momentos a personalidade de Camille com quem ela acredita ter tido uma amizade longa. Camille é a certeza de que ela não cometeu crime algum já que seu filho ainda estar em seu ventre protegido de toda aquela loucura que agora a cerca. Tudo que acontece a sua volta passa a ser parte do romance que precisa entregar.
Durante cada laboratório algo novo era acrescentado, era uma descoberta pra personagem e um desafio pra mim. Kadu tem esse dom de provocar cada ator, de tirar dele o seu melhor. Basta apenas que o ator permita ser conduzido. É impressionante como um simples gesto pode provocar diversas sensações. O enfermeiro provoca o aborto apenas com a compressão do abdômen da personagem. Depois provoca a sensação de total desespero quando todos os internos dividem apenas uma banana, único alimento presente, e o mesmo desespero também é aplicado quando são obrigados a beberem a mesma água. Com a montagem deste espetáculo perdi muito dos meus pudores, me permiti descobrir novas formas de ver mundo. E o meu desejo de conhecer o outro ficou mais aflorado.

À medida em que descobríamos novos materiais ia acrescentando a essa relação. Descobrimos uma matéria publicada no Jornal do Comércio em 1888, em que relata bem a situação da mulher na segunda metade do século XIX, matéria esta que foi acrescentada como texto ao espetáculo, compondo sua dramaturgia.

Em 1888, o Jornal do comércio publica os “Dez mandamentos da mulher”:

1º. Amai a vosso marido sobre todas as coisas.
2º. Não lhes jurei falso.
3º. Preparai-lhes dias de festa.
4º. Amai-o mais que a vosso pai e a vossa mãe.
5º. Não lhes atormentais com exigências, caprichos e amuos.
6º. Não o enganeis.
7º. Não lhes subtraiais dinheiro, nem gasteis este com futilidades.
8º. Não resmungais, nem finjas ataques nervosos.
9º. Não desejeis mais do que um próximo e que este seja o teu marido.
10º. Não exijas luxo e não vos detenhais diante das vitrines.


Estes dez mandamentos devem ser lidos pelas mulheres doze vezes por dia, e depois ser bem guardados na caixinha da toillete.
Assim como a Dramaturgia era construída, o processo corporal estava claramente estabelecendo-se através de imagens e referências, há uma comunicação forte entre o corpo e a fala, são as duas matéria prima para o ator, e através dela conseguem demonstrar o sentimento vivido pelo personagem,uma forte referência para o corpo são as imagens de escultura de Camille Claudel e August Rodin e imagens de ataques Histéricos.
Como a dramaturgia foi concebida por fragmentos é chegada a hora de uni-las. Nesse processo de “colagem”, novas cenas foram criadas e outras suprimidas. Decido que, por mais que o espetáculo não siga uma linha lógica textual, que ele deva seguir uma linha cronológica em relação a Camille Claudel. O espetáculo inicia-se com a sua morte para logo após partir para sua infância e seguir com seu crescimento, tanto como pessoa quanto como artista, para encerrar novamente com a sua morte, completando um ciclo.
A partir dessas definições criei um roteiro para guiar as improvisações feita pelos atores, e para poder escrever esboços de textos para assim construir uma dramaturgia para o espetáculo.
Este roteiro não era seguido cronologicamente, pulávamos, intercalávamos e colávamos partes aleatórias, após exaustivo processo de laboratórios, chego a determinado roteiro que fez-se definitivo para mim, para que possa começar a construir um texto que apesar de não seguir uma linha lógica fazia-se necessário, para quem não conhece a história de Camille Claudel consiga montar o quebra cabeça que apresentamos tendo assim um certo entendimento de sua história.
Improvisamos então com o seguinte roteiro:

Roteiro definitivo para início de processo Dramatúrgico

Início
Morte de Camille Claudel
Infância de Camille Claudel
A Relação com sua Mãe Louise
A Juventude e ida a Paris
Conhecer o mestre August Rodin
O Relacionamento com Rodin
A (suposta) gravidez e sua perda
O encontro com Rose ( mulher de Rodin)
O início do conflito com Rodin
Seu reconhecimento enquanto artista
Sua paranóia
Vida boêmia
O internato
As cartas do asilo
Sua morte
Início

Após esse processo partido deste roteiro , escrevo cenas que começam a ser esboçadas, determinam-se atores para cada etapa e inicia-se a marcação do espetáculo.

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