quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Camille Claudel - Vida e Obra

Modelo, amante, artista, rival e louca são, pois, sinônimos de uma mesma vida. A artista, nascida em oito de dezembro de 1864,em Villeneuve-sur-Fére, nos arredores de Paris é mais conhecida por sua vida atribulada que por seu trabalho. Camille foi muito incentivada pelo pai, Louis-Prosper Claudel , a se tornar artista, já sua mãe Louise Athanaise Cerveuaux, transferiu a Camille suas dificuldades emocionais, visto ser órfã aos três anos e a rejeitou ostensivamente.
Camille quando jovem obrigava seus irmãos a posarem para ela , seu pai, maravilhado com seu talento a apresentou ao Diretor da escola Nacional de Belas Artes, Paul Dubois. Ao chegar em Paris, com dezessete anos, ela passou a freqüentar a Academia Colarosse e alugou um ateliê, mas aos 19 anos, conhece Auguste Rodin, 24 anos mais velho que ela. Escultor já consagrado, que se torna seu mestre e amante, sendo ela a primeira mulher a quem o escultor deu aulas. Deste contato entre mestre e aprendiz, nasceu um relacionamento amoroso, no qual Camille e Rodin se influenciam um ao outro no desenvolvimento de seus estilos.


Camille

Rodin


Camille tornou-se uma importante colaboradora das obras de Rodin, com seus comentários, concepção de diversos trabalhos e sua exímia habilidade para esculpir partes das esculturas do mestre, tais como pés e mãos. Um amor ardente e secreto se prolongará por dez anos, muito embora Rodin nunca abandonará sua primeira amante, Rose Beuret, com a qual finalmente se casará em 1917.Camille vive certa efêmera fama, graças ao apoio de Rodin, expondo em salões e participando de tertúlias em casa de Mallarmé e de Jules Renard, admiradores de seu trabalho.
Quando Rodin retorna em definitivo e totalmente ao seu antigo amor, começa a tragédia de Camille, que se fecha em seu estúdio e se entrega a uma solidão obsessiva, caracterizada pela pobreza e pela ruína física e mental. Só sai às noites.
Frustrada em sua relação amorosa enfrentou sérias dificuldades como artista, pelo fato de ser mulher em uma sociedade e em um meio artístico essencialmente machista. Camille enfrentou a solidão, a frustração profissional, o preconceito e a pobreza.
Sua vida está relacionada à de Rodin até 1898, ano em que se separaram. A partir de 1906, Camille arremete contra sua própria obra, destruindo grande parte de sua produção, numa espécie de exorcismo, como uma forma de livrar-se daquilo que ainda a vinculava ao homem amado e com a obsessiva dor do abandono, gravado em cada uma de suas esculturas.Com o passar do tempo, foi desenvolvendo um distúrbio, que seria diagnosticado pela medicina da época como psicose paranóide, caracterizada por alucinações persecutórias. Ela acreditava ser vítima de um complô para destruí-la, cujo autor seria Rodin. Camille produziu intensamente, mas destruiu várias de suas obras, imaginando que Rodin ou um de seus comparsas as roubariam.














Rodin tenta vê-la, mas é rechaçado, transformando-se num inimigo perseguidor, dentro do delírio paranóico de Camille. Logo após a morte do pai, Camille foi internada pela mãe. Em 10 de março de 1913, por ordem de sua mãe e de seu irmão, ela é internada em um asilo de loucos em Ville-Evrard e, um ano depois, transferida para o hospital psiquiátrico de Montdevergues, que lhe dará abrigo até sua morte, trinta anos depois.
Não se encerra aí a tragédia de Camille. Sua mãe jamais irá visitá-la e rechaça, firmemente, o conselho dos médicos para levá-la de volta ao lar.
Seu irmão, Paul Claudel, além de próspero, fortalece-se politicamente, ao tornar-se embaixador da França. Não obstante, se nega, em 1933, a pagar-lhe uma pensão hospitalar. Nos 30 anos de internação, Paul a visita umas poucas vezes e nada faz para amenizar o sofrimento de Camille, apesar das cartas suplicantes que esta lhe envia, narrando as condições sub-humanas em que vive.
Rodin, por sua parte, envia-lhe algum dinheiro, expõe algumas das esculturas de Camille que sobreviveram à destruição, mas nada faz para liberá-la do hospital. De toda maneira, qualquer iniciativa sua seria obstada pela mãe de Camille, que o considera culpado pela ruína e loucura de sua filha.
Camille Claudel morre em sua prisão psiquiátrica em 1943, com a idade de 78 anos. Esquecida do mundo, morre sem glória, sendo enterrada, anonimamente, em uma vala comum.E se tudo e todos conspiraram contra seu ímpeto de artista e de mulher, seu esquecimento terá sido talvez a punição mais terrível e a causa do maior sofrimento.
Camille, mulher e artista, sofre de esquizofrenia paranóide, ao estudarmos os processos de esquizofrenia e loucuras do início do século XX nos deparamos com a histeria, as formas encontradas através de imagens de ataques de mulheres histéricas assemelhavam-se as formas trazidas pelas atrizes em laboratórios, a deformação tão presente no expressionismo, encontra-se nestes ataques, estudamos então, além da esquizofrenia, a histeria e suas formas.

A Esquizofrenia, a Histeria , o Trauma e a Loucura

No caminho do processo de montagem do espetáculo, nos deparamos com uma montagem do Grupo XIX de Teatro de São Paulo, que montara um espetáculo que tinha a histeria como fundo para sua dramaturgia, curiosos sobre este processo e a questão do estudo da mulher no final do séc XIX, início do séc XX (época do internato de Camille) nos deparamos com um estudo que vinha de encontro a nossa pesquisa.
Estudamos sintomas e imagens sobre a Histeria que utilizamos na construção do espetáculo.
Camille Claudel foi diagnosticada no hospício como portadora de esquizofrenia paranóide, segundo O professor Elias Celso Galvêas , Consultor Pedagógico da área de Projetos Especiais do SENAC-ARRJ, e coordenador geral da Professores Associados – Consultoria Educacional(artigo ABC da Saúde,2009), “Esquizofrenia Paranóide” é uma modalidade de esquizofrenia que pode ser vista como uma significativa perda de contato vital com a realidade, através do relaxamento das formas usuais de associação de idéias. Toma forma (ou aspecto) de paranóia, vista, por sua vez, como o aparecimento de ambições desmedidas (suspeitas) que evoluem, geralmente, para mania de grandeza (megalomania), aliada a delírios persecutórios. No entanto, é interessante observar que apesar de ser observado o relaxamento das formas usuais de associação de idéias (característico da esquizofrenia), os sentimentos de perseguição e megalomania são, freqüentemente, estruturados sobre base lógica.
A Esquizofrenia é uma doença mental grave que se caracteriza classicamente por uma coleção de sintomas, entre os quais avultam alterações do pensamento, alucinações, delírios e embotamento emocional com perda de contato com a realidade, podendo causar uma disfunção social crônica,se caracteriza por uma desorganização ampla dos processos mentais. É um quadro complexo apresentando sinais e sintomas na área do pensamento, percepção e emoções, causando marcados prejuízos ocupacionais, na vida de relações interpessoais e familiares.
Nesse quadro a pessoa perde o sentido de realidade ficando incapaz de distinguir a experiência real da imaginária.
O paciente esquizofrênico fala de maneira ilógica e desconexa, demonstrando uma incapacidade de organizar o pensamento em uma seqüência lógica.
Podem ter alterações de comportamento, ser impulsivos, agitados ou retraídos, muitas vezes apresentando risco de suicídio ou agressão, além de exposição moral, como por exemplo falar sozinho em voz alta ou andar sem roupa em público.
Os principais subtipos são:
Paranóide (predomínio de delírio e alucinações)
Desorganizada ou hebefrênica ( predomínio de alterações da afetividade e desorganização do pensamento)
Catatônico (alterações da motricidade)
Simples(diminuição da vontade e afetividade, empobrecimento do pensamento, isolamento social
Residual ( estágio crônico da doença com muita deterioração e pouca sistematologia produtiva)

Por mais que a Histeria fugisse do quadro cliníco de Camille, na construção de algumas personagens pelas atrizes a histeria se encaixava, tanto pela repressão sexual, quanto pelas imagens vistas de ataques histéricos e suas contorções, como as imagens vistas abaixo:



Fase de contorções


O termo histeria foi utilizado por Hipócrates, que pensava que a causa da histeria fosse um movimento irregular de sangue do útero para o cérebro, e se refere a uma neurose complexa caracterizada pela instabilidade emocional. Os conflitos interiores manifestam-se em sintomas físicos. Pessoas histéricas freqüentemente perdem o autocontrole devido a um pânico extremo. Foi intensamente estudada por Jean- Martin Charcot e Sigmund Freud.
É um erro, considerar que a histérica quer sexo e que estaria curada se estivesse satisfeita sexualmente, a histeria pelo contrario, caracteriza-se pela recusa ao sexo.
A Histeria é uma anomalia do sistema nervoso que se fundamenta na distribuição diferente de excitações, possivelmente acompanhada de estímulos.
Freud desenvolve, no caso Dora, dois aspectos do sintoma histérico. O primeiro é que o sintoma é o tecido da linguagem, e o segundo é que o lugar do sintoma é o deslocamento da zona erógena.
O sintoma Histérico encontra-se em dois lugares: na mente e no corpo.Uma cena traumática deixa uma marca, e o que demonstra a psicanálise é que o inconsciente, estruturado como uma linguagem, está no corpo.
No dicionário Aurélio histeria seria afecção mental cujos sintomas se baseiam em conversão, caracterizada por falta de controle sobre atos e emoções, ansiedade, sentido mórbido de autoconsciência, exagero do efeito de impressões sensoriais e por simulação de diversas doenças.
A personagem da atriz Cassandra Tavares assim como no estudo do caso de Dora de Freud, que guarda um trauma por ser agarrada quando adolescente, sentindo uma pressão no peito causada pelo pênis do Sr K, a personagem Marie, não gosta de gritos e apertos por ter sido violentada pelo pai quando pequena.
Todos os personagens criados passam por um trauma psicológico que é um tipo de dano emocional que ocorre como resultado de um algum acontecimento. Um trauma pode, freqüentemente, violar as idéias do indivíduo a respeito do mundo, colocando o indivíduo num estado de extrema confusão e insegurança.

Na Construção da personagem Cristhine, personagem que supostamente se encontra no mesmo asilo de Camille Claudel da atriz Sarah Veríssimo percebemos que sua personagem tem um trauma como relata...
(...) meus pais morreram na minha frente, sem eu poder fazer nada, eu era pequena e estávamos indo passar as férias na cidade onde mamãe nasceu, mas no caminho papai perdeu o controle do carro e caiu em um rio, eu, como era pequena consegui escapar, mas meus pais não, eles não conseguiram sair e morreram na minha frente(...) Hoje se vejo um rio, mar, ou qualquer lugar que tenha muita água me apavoro, fico descontrolada(...)
Marcelo Wallez, ator, na construção do personagem Pablo, coloca-se como o algoz e não como vítima, ele violenta a filha pequena e a mata, carregando sua boneca que lhe traz culpa, mas, também, prazer. No livro de Antonio Quinet, a Lição de Charcot, Quinet abre a possibilidade de uma teoria para a histeria masculina, a retenção do esperma, que provocaria torpor, melancolia e distúrbios orgânicos funcionais ( que mais tarde se encontrarão sob a rubrica de hipocondria). Na construção da Atriz Juliana Sucylla, sua personagem , orfã, se prostitui como sobrevivência, mas o sexo é feito com repulsa, por ela amar uma mulher. Ela mata alguns clientes e repele outros por ver neles o rosto da mulher amada e proibida.
Sabemos que a loucura é vista diferentemente dependendo do século e sociedade, cria-se para o espetáculo construções dos personagens baseada nos dramas da época de morte de Camille Claudel, mil novecentos e quarenta e seis.
Há uma frase da escritora inglesa Virgínia Wolf que traduz a situação da mulher, ela refere-se a mulher no século XVI, mas mostra que a condição da mulher não muda nesses três séculos, Virginia Wolf, assim como Camille sofreu de perturbações mentais, e suicidou-se em um rio em 1941.

Qualquer mulher nascida com um grande talento no século XVI teria certamente enlouquecido. Ter-se-ia matado com um tiro, ou terminado seus dias em algum chalé isolado, fora da cidade, meio bruxa, meio feiticeira, temida e ridicularizada. Pois não é preciso muito conhecimento de psicologia para se ter certeza de que uma jovem altamente dotada que tentasse usar sua veia poética teria sido tão obstruída e contrariada pelos outros, tão torturada e dilacerada pelos seus próprios instintos conflitantes que teria decerto perdido a saúde física e mental. (WOOLF. P. 64-65)



Dramaturgia



Tínhamos como suporte dramatúrgico sua biografia e as cartas do asilo que ela enviava a parentes. Mas nos deparávamos com um conflito: como contar sua história? Um texto costuma ser a causa de uma obra teatral, mas neste caso seria conseqüência da experiência vivida por todos.
Decidimos não seguir uma linha lógica de início, estudávamos partes de sua vida e realizávamos improvisações. Logo de início percebi que sua estada no asilo de loucos era um ponto forte para todos, causava estranhamento, dificuldade e também indignação. Sua vida antes do asilo era contada pelo biógrafo, mas após internato no asilo era contada por ela mesma através de suas cartas.Esses relatos foram tão fortes e impactantes no grupo que resolvi que o espetáculo começaria aí, a partir de sua morte.
Tínhamos então um início, e esse início dava-se com a sua morte. Então quem seriam os personagens?
Partimos então para o segundo processo que foi levado em paralelo à pesquisa da sua vida. Quem contaria a sua história? Quem contaria a história de Camille Claudel?
Decidimos criar personagens que viveram no mesmo asilo que ela viveu seus últimos trinta anos, esses personagens contariam a sua história. Definimos que algumas personagens haviam conhecido Camille, outros acharam suas escritas pelo asilo, outros apenas ouviram falar dela, mas todos em determinado momento assumiriam a sua personalidade. Tanto a de Camille quanto a de sua Mãe Lourdes, como a de Rodin e a de sua namorada Rose.
Determinado isso cada ator criaria a história de seu personagem e apresentaria ao grupo. Neste estudo para criação do personagem de cada ator estudamos quem seriam os internos daquela época, início do século XX até sua metade, vide a data de falecimento de Camille Claudel ser 1943.
Chegamos então à histeria. A histeria é causada pela recusa do desejo sexual que é tipicamente reprimido e se manifesta em forma de ansiedades e traumas. Há psicanalistas que acrescentam que a histeria não se refere apenas aos desejos sexuais, mas a outros tipos de desejo ou situações traumáticas. A histeria é uma classe de neurose que apresenta quadros clínicos muito variados. Freud considerou a histeria como uma doença psíquica bem definida e que, portanto, exige uma etiologia específica. Freud nominou diferentes tipos de histeria. A histeria de angústia apresenta sintomas fóbicos que podem ser observados na neurose obsessiva e na esquizofrenia.
Partindo deste estudo e de idéias que surgiam através de pesquisas de internos cada ator desenvolveu seu personagem, cada ator estudaria a época, comportamento e história do personagem que ele próprio criaria.
Para os atores não ficarem isolados em suas histórias e interagirem entre si, a direção opta por entrar ativamente nesse “laboratório”. Cria também um personagem, um enfermeiro deste hospício, que comanda essa trupe de loucos, orientando, muitas vezes cruelmente os passos de cada um. Fazendo-os visualizar um mesmo espaço, costurando algumas histórias, e interagindo entre eles. A seguir o depoimento da atriz Vanúzia Moreira referindo-se a esse processo:

Quando construí a personagem, não a imaginei matando o seu filho, mesmo que por um descontrole extremo. No começo a imaginei uma mãe amorosa, uma escritora famosa, uma mulher apaixonada pelo marido e uma filha com uma relação maravilhosa com a mãe. De repente durante os laboratórios fui conduzida pelo “enfermeiro” a acreditar na autoria do crime do qual a personagem era acusada. Como minha personagem era uma escritora por diversas vezes ela assumiu a personalidade de outros internos, assim como assumiu em alguns momentos a personalidade de Camille com quem ela acredita ter tido uma amizade longa. Camille é a certeza de que ela não cometeu crime algum já que seu filho ainda estar em seu ventre protegido de toda aquela loucura que agora a cerca. Tudo que acontece a sua volta passa a ser parte do romance que precisa entregar.
Durante cada laboratório algo novo era acrescentado, era uma descoberta pra personagem e um desafio pra mim. Kadu tem esse dom de provocar cada ator, de tirar dele o seu melhor. Basta apenas que o ator permita ser conduzido. É impressionante como um simples gesto pode provocar diversas sensações. O enfermeiro provoca o aborto apenas com a compressão do abdômen da personagem. Depois provoca a sensação de total desespero quando todos os internos dividem apenas uma banana, único alimento presente, e o mesmo desespero também é aplicado quando são obrigados a beberem a mesma água. Com a montagem deste espetáculo perdi muito dos meus pudores, me permiti descobrir novas formas de ver mundo. E o meu desejo de conhecer o outro ficou mais aflorado.

À medida em que descobríamos novos materiais ia acrescentando a essa relação. Descobrimos uma matéria publicada no Jornal do Comércio em 1888, em que relata bem a situação da mulher na segunda metade do século XIX, matéria esta que foi acrescentada como texto ao espetáculo, compondo sua dramaturgia.

Em 1888, o Jornal do comércio publica os “Dez mandamentos da mulher”:

1º. Amai a vosso marido sobre todas as coisas.
2º. Não lhes jurei falso.
3º. Preparai-lhes dias de festa.
4º. Amai-o mais que a vosso pai e a vossa mãe.
5º. Não lhes atormentais com exigências, caprichos e amuos.
6º. Não o enganeis.
7º. Não lhes subtraiais dinheiro, nem gasteis este com futilidades.
8º. Não resmungais, nem finjas ataques nervosos.
9º. Não desejeis mais do que um próximo e que este seja o teu marido.
10º. Não exijas luxo e não vos detenhais diante das vitrines.


Estes dez mandamentos devem ser lidos pelas mulheres doze vezes por dia, e depois ser bem guardados na caixinha da toillete.
Assim como a Dramaturgia era construída, o processo corporal estava claramente estabelecendo-se através de imagens e referências, há uma comunicação forte entre o corpo e a fala, são as duas matéria prima para o ator, e através dela conseguem demonstrar o sentimento vivido pelo personagem,uma forte referência para o corpo são as imagens de escultura de Camille Claudel e August Rodin e imagens de ataques Histéricos.
Como a dramaturgia foi concebida por fragmentos é chegada a hora de uni-las. Nesse processo de “colagem”, novas cenas foram criadas e outras suprimidas. Decido que, por mais que o espetáculo não siga uma linha lógica textual, que ele deva seguir uma linha cronológica em relação a Camille Claudel. O espetáculo inicia-se com a sua morte para logo após partir para sua infância e seguir com seu crescimento, tanto como pessoa quanto como artista, para encerrar novamente com a sua morte, completando um ciclo.
A partir dessas definições criei um roteiro para guiar as improvisações feita pelos atores, e para poder escrever esboços de textos para assim construir uma dramaturgia para o espetáculo.
Este roteiro não era seguido cronologicamente, pulávamos, intercalávamos e colávamos partes aleatórias, após exaustivo processo de laboratórios, chego a determinado roteiro que fez-se definitivo para mim, para que possa começar a construir um texto que apesar de não seguir uma linha lógica fazia-se necessário, para quem não conhece a história de Camille Claudel consiga montar o quebra cabeça que apresentamos tendo assim um certo entendimento de sua história.
Improvisamos então com o seguinte roteiro:

Roteiro definitivo para início de processo Dramatúrgico

Início
Morte de Camille Claudel
Infância de Camille Claudel
A Relação com sua Mãe Louise
A Juventude e ida a Paris
Conhecer o mestre August Rodin
O Relacionamento com Rodin
A (suposta) gravidez e sua perda
O encontro com Rose ( mulher de Rodin)
O início do conflito com Rodin
Seu reconhecimento enquanto artista
Sua paranóia
Vida boêmia
O internato
As cartas do asilo
Sua morte
Início

Após esse processo partido deste roteiro , escrevo cenas que começam a ser esboçadas, determinam-se atores para cada etapa e inicia-se a marcação do espetáculo.

O Corpo


Os passos têm vindo de algum lugar, nunca das pernas (...), É simplesmente uma questão de quando é dança e quando não é. Onde começa? Tem de fato algo a ver com consciência. Com consciência corporal, e a maneira pela qual formamos as coisas. Mas então não precisa ter esse tipo de forma estética. Pode ter uma forma totalmente diferente e ainda Assim ser Dan ça, basicamente, quer se dizer algo que não pode ser dito, então faz-se um poema para que possa sentir o que se quer dizer. Então palavras, eu acho, são meios para um fim. (BAUSCH. 1984.)




As imagens provocadas tanto pelas esculturas de August Rodin e de Camille Claudel em conjunto com as imagens pesquisadas sobre a histeria nos fez pensar o corpo deste personagem de uma outra forma.O espetáculo não se construiria apenas pela palavra e sim por gestos e imagens que indicam uma situação, emoção ou determinar qual personagem estará presente em determinados momentos do espetáculo Camille Claudel.
Os personagens (os loucos) assumem outra postura ao viver Camille, Rodin, Rose (mulher de Rodin) ou Louise (mãe de Camille), surge então a pergunta, como Trabalharíamos essa diferença entre as personagens sutilmente? A troca teria que ser sutil, que se realizasse de maneira poética e sensível, então como no corpo do ator transparecer quem esta naquele momento vivendo a história apenas pelo corpo?
Iniciamos paralelamente às improvisações, em que a palavra era importante, improvisações corporais, muitas vezes estas fornecendo idéia e material para a escrita. Buscamos então a dança-teatro, termo que deriva do alemão Tanztheater e que está muito associado a coreógrafa alemã Pina Bausch, fomos buscar mais nas palavras e definições de Pina Bausch para o termo dança teatro do que na técnica de dança em si, critérios como certo ou errado não tem nenhuma importância no processo,pois Bausch incentiva cada bailarino a se posicionar individualmente com liberdade, sem qualquer tipo de censura .Pina Bausch afirma que essa característica,tão marcante em seu trabalho, de reconhecer o que há de pessoal e particular em cada bailarino, deve-se a Kurt Jooss, seu antigo mestre. O que alimentava o trabalho de Joss era o interesse pela personalidade singular de cada dançarino, que servia como material de criação do espetáculo. Procedendo da mesma forma,
Bausch defende a idéia de que o teatro é o espaço das subjetividades e das recordações. Mas, ao contrário do que se possa imaginar, não interessa à artista apenas a história pessoal do bailarino.As recordações trazidas à cena servem como iscas de recordações coletivas.
Entendíamos que além da voz é no gesto que se cria o personagem, através de signos gestuais substituem-se palavras. A Criação de um ato expressivo.O corpo é o principal veículo para a transmissão de emoções, idéias e sentimentos.


As Imagens no Espetáculo Camille Claudel

Várias imagens de esculturas de Rodin e Camille serviram de inspiração para o espetáculo.Asmagens costuravam muitas vezess ações e textos, ou nos permitia criar o elo necessário entrma cena e outra, visto a dramaturgia ser como uma colcha de retalhos composta por vários fragmentos da vida de Camille que vão e voltam no tempo.
Estas imagens não são reproduzidas fielmente no espetáculo servem de inspiração para uma composição da partitura corporal de cada ator.
A seguir veremos algumas das imagens e fotos que serviram de inspiração para o espetáculo:






























Imagens de Ataques Histéricos como Referência













São inúmeras as imagens pesquisadas para o espetáculo nas obras de Camille e Rodin, muitas além de nos dar a forma, dava-nos através de seu movimento imagens para a composição de uma cena.Decido então seguir com uma marcação bem desenhada, quase como uma coreografia, não como uma seqüência de oito comum na dança , mas que o espetáculo tenha na imagem tanta força quanto na palavra, como se no espetáculo houvesse um ligamento entre essas imagens, uma seqüência que levasse uma a outra, um ballet de gestos e palavras.Assim como as escultura de Rodin e Camille são de alto impacto visual,são fortes, sensuais e tristes, esses corpos teriam que estar carregados desses mesmos sentimentos, mesmo que estivesse parado em cena, como uma própria escultura.
Após todo o processo criativo realizado com os atores é hora de colocar essa pesquisa em cena, aproveitando todas as imagens propostas por vários encontros e tantas outras imagens vistas em pesquisa é iniciado o processo. Dá-se então a construção cênica do espetáculo.

O Figurino



Na encenação contemporânea, o figurino tem papel cada vez mais importante e variado, tornando-se verdadeiramente a segunda pele do ator. (Pavis,1999,p.168)
Hoje na representação, o figurino conquista um lugar muito mais ambicioso, multiplica suas funções e se integra ao trabalho de conjunto em cima dos significantes cênicos.

Patrice Pavis em seu Dicionário de Teatro ( 1999,p169) diz que a escolha do figurino sempre procede de um compromisso e de uma tensão entre a lógica interna e a referência externa:jogos infinitos da variação da indumentária, o olho do espectador deve observar tudo o que esta depositado no figurino como portador de signos, como projeção de sistemas sobre um objeto-signo relativamente á ação, ao caráter, à situação, à atmosfera.
O Figurino não serve apenas para embalar o ator, há que ter nele um maior significado, criar uma relação com o corpo do ator, tem que estar ligado também a palavra.

Em Camille Claudel, o figurino foi construído por cada ator, manualmente, costurado, amarrado, a medida em que descobriam facetas novas da personalidade de cada personagem um novo caminho era estabelecido com esse figurino.
A matéria prima para esses figurinos, como dito anteriormente já vinha carregada de significados. Foram pertences de inválidos e já carregavam em si uma história,uma tristeza. Era um material manchado, sujo, desbotado pelo tempo. Coube então a cada ator preparar seu figurino a partir da personalidade de cada personagem.
Nesse processo o figurinista auxiliava esta construção, participando ativamente com os atores deste processo, um processo a quatro mãos. Esse auxílio servia à percepção do que estava em excesso, o que poderia atrapalhar a movimentação, o que faltava para uma melhor composição e a linguagem entre todos.

O Figurino deveria lembrar os vestidos de época usados por Camille Claudel no final do século XIX, as blusas e calças sociais usadas por Rodin e seus aventais. Mas também deveria carregar um pouco da história pessoal de cada personagem e da situação vivida por eles no hospício, mangas longas que lembrassem camisas de força e velhas camisolas.
Quantas histórias estariam costuradas em um mesmo figurino? Quantas pessoas estariam ali, presas aqueles panos e trapos?

Acredito que vestir um figurino traz consigo um passado e um presente, visto estarmos construindo essa história ainda hoje. Isto é riquíssimo, não há um desconforto enquanto ator-figurino, não há o processo frio de experimentação do figurino que antecede geralmente uma estréia, não neste processo. Eles estavam presentes no ensaio, na construção do espetáculo, é a roupa do personagem, usada e criada por ele desde o seu surgimento.
O processo estabelecido com o figurino auxiliou-me na construção estética do espetáculo, tanto na forma de construção, quanto a resultado estético.





A Maquiagem

Era necessário que os personagens tivessem uma aparência tanto de esculturas quanto de “almas” e imagens borradas que transitam no espaço, buscamos então no expressionismo mais uma fonte para este processo.
No expressionismo a maquiagem é violenta, o que torna a face em máscara arquetípica, através do tratamento hiperbólico dos traços, muitas vezes levados à caricatura e ao grotesco. Com a chamada “máscara branca”, uma maquiagem utilizada nos filmes expressionistas, o personagem se isola dos outros, porque carrega o drama em seu corpo. Também as olheiras permanentes dos heróis expressionistas não são olheiras de cansaço, nem olheiras de doença. São olheiras filosóficas , de inquietação existencial, reflexos da pressão constante do mal impressos na face dos que vivem nos limites da existência.
Conseguimos através da pasta dágua criar este efeito junto com o delineador, os olhos são borrados como se tivessem chorado por muito tempo, marcados como grandes olheiras.



Cenografia




A Cenografia assim como o figurino é composta por pedaços de materiais em que cada um carrega sua história, janelas de antigas casas, madeiras , cordas, e por três portais que são inspirados no ateliê de Rodin.
O cenário expressionista é a maior parte do seu tempo incompleto, não há elementos ligados entre si, nesta cenografia revela-se a alma e os sentimentos.
Desde o início do século, de forma consciente e sistemática nos últimos vinte ou trinta anos, faz-se sentir uma sadia reação no campo da plástica cênica.O cenário não apenas se liberta da sua função mimética, como também assume o espetáculo inteiro, tornando-se seu motor interno.Ele ocupa a totalidade do espaço, tanto por tridimensionalidade quanto pelos vazios significantes que sabe criar no espaço cênico.O cenário se torna maleável,expansível e co-extensivo à interpretação do ator e à recepção do público. (PAVIS,1999,p.43)
Com as constantes viagens realizadas pelo grupo, torna-se inviável a locomoção desta cenografia, fazendo com que o grupo repense uma cenografia que seja tanto estética e simbólica quanto a primeira. Utilizan-se então janelas que simbolizam o aprisionamento dos internos, a janela é o limite entre o que está fora e o que está dentro, a prisão, da liberdade. Ela é o limite, divide os espaços.
Essas janelas são pintadas de branco e envelhecidas, e penduradas pelo espaço, suspensas entre si, distribuídas na cena vazia.






Trilha Sonora

Edith Piaf foi a trilha escolhida desde o início, a partir de seu uso em exercícios e jogos corporais ela começa a habitar nosso universo.
Piaf e Camille não são da mesma época, apesar de francesas, talentosas e terem sofrido por amor, mas as duas são viscerais em sua vida e obra.A música cantada por Piaf atingia o ápice emocioanl que necessitávamos à cena, dividimos então o espetáculo em quatro fases e para cada uma delas há uma música tema de Edith Piaf

Infância ( Le Vieux Piano )

Juventude ( Hino ao amor)

Maturidade (Dans Ma Rue)

Morte ( Mon Dieu)

Como trilhas incidentais que costuram muitas vezes as cenas, escolho algumas musicas clássicas, do repertório do pianista Victor Chouckouv. São músicas que carregam um clima triste e melancólico, necessário a algumas cenas.
Apesar de seguir muitas vezes a estética expressionista, a trilha sonora não se caracteriza pela música expressionista. Fomos buscar na trilha a “razão” expressionista, a forte emoção que desfigura os personagens, neste caso, através da música.

A Iluminação







“Fazer luz, decididamente, não é uma profissão exclusivamente técnica. A técnica torna-se arte quando se consegue traduzir uma idéia em um efeito óptico sobre um palco”.
Jean Jacques Roubine



A luz não é, nem pode ser simplesmente decorativa ao espetáculo, suas funções são várias, a luz é viva e parte importante da encenação, ilumina-se muitas vezes no sentido de mostrar novas facetas, além de conferir um estilo estético ao espetáculo.
Appia já observava no início do século a importância da luz colocada a serviço do ator.

A luz é de uma flexibilidade quase milagrosa. Ela possui todos os graus de claridade,todas as posibilidades de cores, como uma paleta, todas as mobilidades, pode criar sombras, irradiar no espaço a harmonia de suas vibrações exatamente como faria a música. Possuímos nela todo o poder expressivo do espaço, se este espaço é colocado a serviço do ator. (APPIA,1954,p.39)

Marcelo Wallez ator do espetáculo e criador do desenho de luz nos relata sua construção:

No espetáculo Camille Claudel o plano de luz pensado e executado reforça, através de uma proposta calcada na luz expressionista, que possui algumas características como: a nostalgia do claro-escuro e das sombras , distorções, a luz e a escuridão desempenham o papel do ritmo e a cadência da cena.
Em Camille Claudel esses aspectos ganham uma lente de aumento,onde são utilizados focos de luz branca direcionados para diversas partes da cena,onde os sentimentos e dramas vividos pelos personagens internos do asilo de loucos, que possuem sua própria história e por vezes , personificam Rodin e Camille .
Também é utilizada uma tabela cromática, calcada no uso de cor azul, vermelha e âmbar, que reforçam e dão o clima necessário para ambientações e sensações como o passar do tempo, a luz do luar e a força sexual presente na cena do cabaré.






Conclusão

O teatro é realmente uma arte rica, por possibilita o contato com todas as artes. Ao viver a experiência de contar a vida da artista Camille Claudel acredito que todos os envolvidos com este projeto foram e são tocados por uma vida tão complexa e triste.
A experiência de desenvolver este texto, retomar pesquisa e anotações feitas a alguns anos atrás foi uma experiência enriquecedora. O espetáculo continua em carreira, mas ao ativar estas lembranças, percebo que ele continua pulsante, que ainda me toca, nos toca enquanto artistas criadores desse processo.
Revelar este processo criativo, por mais que não consiga lembrar ou escrever todos os momentos vividos por mim e pelos atores, foi rico por reativar lembranças tanto teóricas quanto emotivas.
Desenvolver um processo criativo sempre é emocionante, desgastante enriquecedor. Aprendi muito com essa experiência e continuo aprendendo com o caminhar do espetáculo. Acredito que tenha sido um espetáculo que representou um divisor de águas em minha carreira, tanto no fazer, quanto em minha experiência adquirida através da dificuldade e da busca para uma explicação teórica daquilo que se apresentava muitas vezes de forma intuitiva.
Geralmente, o que se leva destas experiências em grupo são os processos, que são tão enriquecedores que, ao estrear o espetáculo, busca-se uma nova montagem para viver novamente estas experiências. Engraçado perceber que enquanto o espetáculo adulto, nesta formação de grupo, foi o único que realizamos. Não conseguimos entrar em novas montagens por acreditar que esta ainda tem um grande caminho de experimentações e apresentações que perciorrer. Ainda temos de estudarm pesquisar e aprender com este espetáculo.
Neste ano de dois mil e nove, iniciamos um novo caminho por festivais e é interessante escutar comentários sobre nosso processo. Interessante notar o olhar de cada artista sobre a obra e é enriquecedor trocar experiências a partir do processo desenvolvido por nós. E como cada pessoa enxerga Camille de um jeito, quem não conhece sua história se instiga a procurar, motiva-se a entender quem foi esta artista, que vida sofrida foi essa que viveu. Fazer com que o interesse por Camille fosse despertado já seria para nós o suficiente. Abrir olhos para a produção desta artista, fazer com que ouçam as palavras que ela escreveu em cartas endereçadas a seus parentes, lamentando suas condições e emocionar-se com ela é para nós tão emocionante que não permite que paremos.
Nem todos os atores da companhia são profissionais, ou seja, vivem de sua arte, e neste período arrumaram novos empregos, foram estudar, mudaram de cidade, mas driblando todas as dificuldades, continuamos juntos nessa caminhada maior. Nesta grande experiência que é contar a vida de Camille Claudel sob a ótica dos internos do asilo.
Em anexo, segue o texto da montagem e a construção das personagens para um maior conhecimento do leitor em relação à criação dos atores, tão comentada neste texto. Espero que. Assim como nós, criadores do espetáculo, você, leitor, possa ser tocado pela vida desta artista grandiosa e que desperte seu interesse e o emocione.







Fim